Governo republicano (Episódio 15)

Domingos José Martins – Fonte: Google

Desde 7 de março o Recife estava controlado, mas o tumulto de ações e as ordens repassadas sem planejamento deixavam visível a ausência de autoridade.
No edifício do Erário, Domingos José Martins discutia com os companheiros a organização governamental. Decidiram que seria composta por uma junta, a exemplo do diretório francês de 1795. Formada às pressas, a junta governativa foi escolhida por apenas dezessete pessoas. Os governadores executivos eram cinco. O padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, revolucionário determinado, foi escolhido presidente do governo e líder do clero. Domingos Teotônio Jorge representava os militares; Manuel Correia de Araújo, a elite agrária; Domingos José Martins, os comerciantes; José Luís de Mendonça, os magistrados. Também foram escolhidos nomes de expressão entre os que habitavam a província para integrarem o Conselho de Assessoramento do governo. O mais destacado deles era Antônio Carlos de Andrada.
Estava organizada a república. Pela praça do Erário e pelas ruas do Recife, foram anunciados os nomes dos governantes. No Campo do Erário, também chamado de Campo de Honra, os escolhidos foram aclamados pela multidão composta por pessoas de todas as classes, que atiravam os chapéus para o ar e davam vivas. (19)
No novo Estado, os homens podiam professar livremente sua religião. Quaisquer uma era tolerada embora o Governo tenha oficializado a religião católica romana. Ficou estabelecido que os portugueses que resolvessem aderir à causa patriótica poderiam ser acolhidos e aceitos no novo sistema.
Nessa época, os negros permaneciam andando descalços enquanto os homens de posse trajavam calções de “nanquim justos ao corpo e presos por um laço abaixo dos joelhos e casacão longo”. (27)
Em todas as dimensões, buscava-se valorizar a nacionalidade. Em relação à alimentação, por exemplo, foram excluídos das mesas dos pernambucanos os produtos da Europa e passaram a ser consumidos alimentos genuinamente brasileiros. A farinha de mandioca substituiu a de trigo e o vinho foi trocado pela aguardente da província nos momentos de brinde (28) aos novos tempos.
Os pernambucanos passaram a usar os pronomes de tratamento, a exemplo forma “vós” e o apelativo “patriota”, regulamentados pelo decreto de 18 de março, denunciavam a influência francesa. Aboliram-se os tratamentos de “senhor” e “vosmicê” direcionados às pessoas consideradas importantes. Os cidadãos passaram “a se tratar apenas de ‘patriota’ (equivalente, hoje, a ‘companheiro’) e ‘vós’ (você)”. (29) O tratamento de “patriota” se tornou “uma espécie de indicador de uma identidade regional”. Pernambuco, para os revolucionários, era um novo país.

*

Em 26 de março, o regimento foi “convertido em batalhão”. O número de soldados era insuficiente e a solução foi recorrer aos escravos para reforçar as tropas. Fazendeiros e senhores de engenho ofereciam homens cativos para o combate. O proprietário do Engenho do Meio, na Paraíba, trouxe quarenta escravos para a causa revolucionária. Claudino José Carrilho também levou seus homens armados para engrossar o partido dos rebeldes.
Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, o capitão Suassuna, Jerônimo Inácio Leopoldo Maranhão e José Carneiro Carvalho da Cunha comandaram seus negros. Pelo acordo feito com o Governo Provisório, seriam indenizados. O negociador entre os nacionalistas e esses senhores de engenho foi Antônio Marques da Costa Soares. Para reforçar o exército real, foram convocados índios vindos do interior.
Sob a responsabilidade do Sargento-Mor Joaquim Ramos de Almeida, foi iniciado um treinamento dos escravos para o combate, mas sem qualquer resultado significativo. Muniz Tavares achava que eles serviam mais de “embaraço.” A tropa revolucionária contava, no total, com 1.600 homens. Desses, apenas 400 eram bem treinados. A possibilidade de libertar os escravos preocupava os proprietários que temiam uma revolta destes, o que colocaria em risco a integridade física dos donos.
Centenas de negros foram recrutados mesmo sem ordem dos donos. Trezentos deles formavam uma tropa liderada por Domingos José Martins. Em parte, a iniciativa de engajamento ao movimento partia dos próprios escravos. “Um exemplo disso foi a atitude de ‘Vicente Cabra, escravo do Padre Bento Farinha de Braga’, acusado de andar ‘pela praia de Pitimbu com outro gritando: viva a pátria.” (34)
Dos líderes, o mais experiente, Domingos Teotônio, não foi à batalha. Em seu lugar, enviou o capitão Suassuna, soldado inexperiente. Conforme combinado com membros do governo, o capitão seguiu a frente da tropa de seu engenho para enfrentar o exército enviado pelo conde dos Arcos ao sul de Pernambuco, que tinha no comando Cogominho de Lacerda. A escolha de Suassuna para essa missão devia-se ao fato de que, entre os homens de Lacerda, havia oficiais maçons a quem o capitão pernambucano pretendia aliciar.
Nas batalhas do Engenho Utinga, os homens de Suassuna saíram vitoriosos. Contavam com o apoio da comarca de Alagoas, que buscava autonomia. Mas, no geral, a tropa era inexperiente para o combate. E, ao que tudo indica, havia desentendimento entre os escravos e isso não favorecia a luta contra a repressão da Coroa. Naquilo que viria a ser considerado um erro estratégico, o Governo Provisório resolveu mandar para o mesmo lugar as tropas comandadas por Domingos Martins, comerciante sem qualquer experiência no comando de soldados. Para complicar, as forças ficaram separadas, o que tornaria mais fácil a vitória das tropas reais.
Domingos Martins apenas confiou na informação de que as tropas herdadas do antigo regime eram muito mal armadas e despreparadas. Decidiu enfrentar a tropa baiana pessoalmente. Desprovido de táticas militares, foi pego de surpresa ao cruzar o riacho Merepe, em Porto de Galinhas. No Engenho Guerra, Ipojuca, em 15 de maio, travou-se uma grande batalha. As tropas republicanas enfrentaram o exército do marechal Cogominho de Lacerda “com aproximadamente o mesmo efetivo. Os líderes revolucionários não se entenderam. Como resultado, as tropas republicanas foram obrigadas a uma retirada desastrosa para o Recife.” No total, trezentos milicianos foram presos, outros ficaram mortos ou feridos. Domingos Martins e Suassuna estavam entre os presos levados à Bahia. O capitão fecharia acordo de rendição com negociadores de paz “moderados” a serviço do almirante Rodrigo Lobo.

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